Entre o primeiro passo largo e a caminhada que leva ao fim da rua, um encontro inesperado levanta seu sorriso. De maneira quase involuntária, uma série de músculos se responsabiliza por levantar um sorriso largo, que suspende levemente os óculos que repousavam sobre suas bochechas. A suspensão dos músculos revela uma grata surpresa, digna de celebração. Um passo largo e a constatação de que seus olhos o traíram, assim como a mim mesmo. Os músculos suspensos dão lugar a um sentimento que vem de rebote. Músculos antecipados cometem equívocos. Não poderão, em nenhuma instância, dizer a verdade. Resta a eles a ficção: a imaginação, convocando o estatuto da imagem, do que ficou há cinco passos e do que pode vir a ser na próxima esquina.
Narrar a felicidade, apontada como mote para esta exposição, seria como nomear todos os músculos responsáveis por levantar um sorriso, enquanto uno, em torno de uma única narrativa, o páthos de uma celebração. Dada a impossibilidade, parto da minha própria felicidade. Recorro, em seguida, a uma outra voz que não a minha. Uma voz que fosse capaz de reconhecer na (H)história as reminiscências. Recorro ao que diz Paul Preciado, há exatos 5 anos, na página 301 – uma espécie de anagrama do que mais levantou meus sorrisos no último mês – do livro Um Apartamento em Urano: Crônicas da travessia.
“As mais belas comemorações são aquelas que celebram as revoluções invisíveis, as transformações sem data de início ou caducidade. Quem celebra a grama quando cresce? E o céu mudando de cor? Quem comemora a leitura de um livro? E a aprendizagem de um gesto? Quem comemora a última tarde de felicidade antes da morte súbita? É preciso esquecer os aniversários. É preciso abater os rituais e deixar cair as relíquias, para comemorar outros nascimentos possíveis.” Paul B. Preciado, novembro de 2017
As questões levantadas por Preciado ecoaram como uma voz que pretende se tornar coletiva, um riso uníssono, como em “a felicidade está nos detalhes”. Os músculos (não) dirão a verdade é uma exposição que reflete sobre o limite entre as imagens e o real, entre o não-dito e a repetição inesgotável, entre a celebração da ausência e da presença, entre sorrisos verdadeiros que serão – ou que nunca poderão ser – revelados pelos músculos que trabalham para que se levantem.
Estamos, nesta exposição, em uma zona de (in)discernibilidade, de (i)legibilidade e de (im)pronunciabilidade, em que os parênteses apontam à oscilação que há entre duas posturas que parecem distantes. Evocamos o que sorri verdadeiro, que celebra a felicidade no agora, e o que forja um futuro outro através da imaginação radical, para que possamos “comemorar outros nascimentos possíveis”. Narramos o que se celebra e o que se quer celebrar, o que faz sorrir genuinamente e o que se pretende fazer sorrir em esforço. Da tragédia grega às profecias messiânicas, apontamos à felicidade em desvendar um enigma fortemente determinado pela mitologia.
Os músculos (não) dirão a verdade celebra a “ficção política”, ainda nas palavras de Preciado, que pode de maneira otimista nos levantar um sorriso. Celebra o “sono da razão”, para Goya. Convoca a emoção, a “fabulação crítica”, para ficarmos com Saidiya Hartman. Busca um sonho que “fecunda a vida”, por Conceição Evaristo. Celebra o desejo e tudo que é arrastado junto dele: de um levante ao ímpeto performativo de uma criança. Os músculos não dirão a verdade; a emoção, talvez. Sugerimos, por fim, que a felicidade guarda em si um tanto de ficção. E, assim, escolhemos comemorá-la.
Bernardo Bazani, curador
Agradecimentos:
Professora Ana Luiza Nobre e a turma da disciplina "A Forma Atlas" do Programa de Pós-graduação em Arquitetura da PUC-Rio, Ana, Caio, Daniel, Lorran, Maxuel e Thiago.
Professoras Isabel Carneiro e Jacqueline Siano e a turma da disciplina "Epistemologias feministas" do Programa de Pós-graduação em Artes da UERJ, Adeilma, Daniela, Emy, Helena, Ingrid, Monique, Roberta, Rodolfo e Verônica.
Bia Petrus
Flavia Dalla Bernardina
Otavio Leonidio
Referência bibliográfica:
PRECIADO, Paul B. Um apartamento em Urano. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2019.
Petropolitano, vive e trabalha no Rio de Janeiro. É graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Santa Úrsula e possui formação livre e transversal em Artes Visuais. Bolsista CAPES, é mestrando no PPGArq/PUC-Rio, na linha de pesquisa em Teoria e História do Projeto de Arquitetura. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teoria e Crítica de Arte e Teoria do Projeto de Arquitetura. Trabalhou na Advocacia-Geral da União e colaborou com diferentes escritórios de arquitetura, como MUTA, gru.a e Ayako+Zebulun. Foi curador das exposições Pendular (2021), Operar (n)o Caos (2021), Eu vou expor ela no varal (2022), Passagem Aurora (2022), Da condição de Casa (2022) e Escovar a cidade à contrapelo (2022).
Artista, pesquisadora e travesti. Nasceu e cresceu em São Gonçalo, hoje vive e corre atrás de trabalho no Rio de Janeiro. Seu trabalho é parte de uma profunda preocupação sobre tudo aquilo que restringe a liberdade.
A palavra, a norma, a hierarquia, o pensamento. Diz que sente que não é obrigada a nada e isso a realiza.
Escolheu seu nome e inventou a si mesma, como escolhe um título para um trabalho ou encontrando a tradução do que sente em poesia. Pensando escultura como poesia, poesia como escultura e tudo como um só e parte dela.
“Por tudo aquilo que é possível imaginar mas ainda é impossível de nomear. Um amor impossível.”
27 anos, autodidata, nascido e criado em Senador Camará na zona oeste do Rio de Janeiro.
Começou a pintar no final de 2016 entendendo ser a forma mais genuína de expressão e comunicação com a comunidade e o público que convive.
Misturando a vivência de rua, música e referências de artista como: Salvador Dalí, Heitor dos Prazeres, René Magritte, Hyeronimous Boch, Hanna Höch, Candido Portinari, Basquiat, entre outros.
Hebert ao longo dos anos vem desenvolvendo suas técnicas e criando obras que dialogam e servem para expor a realidade urbana e periférica.
Porto Alegre, 1986. Doutorando e Mestre em Poéticas Visuais pela UFRGS. Possui graduação Bacharelado com ênfase em escultura (2010) e Licenciatura (2015), em Artes Visuais-UFRGS. Está vinculado as linhas de pesquisa: Poéticas de processos híbridos e Espaços transmutáveis, ambas vinculadas ao CNPQ/UFRGS. Tem uma produção de arte independente, participa de exposições coletivas e individuais e desenvolve projetos na área cultural.
Sua produção poética trata da relação entre CORPO e CIDADE que se expressa por meio de intervenções urbanas e objetos tridimensionais. O principal desafio é estabelecer pontes entre espaços convencionais da arte e espaço público da cidade. Utiliza os deslocamentos errantes como método de sensibilização frente ao sítio urbano. Suas intervenções utilizam dados e materiais recolhidos do próprio território delimitado como foco de ação.
Artista queer multidisciplinar. Seu processo de desenvolvimento artístico se deu de forma concomitante a sua vivência como pessoa queer, estando esse desenvolvimento sempre permeando sua produção.
Seus trabalhos abordam as temáticas dos limites do retrato, do antirretrato, das formas de representações do corpo queer, das interações entre humano e natureza, das possibilidades do corpo orgânico-cibernético, e das interações entre arte e sustentabilidade, através da produção de indumentária, fantasias, esculturas e instalações.
Registros oficiais Luke Martins
Fotos de backstage Bernardo Bazani
Coletivo e estúdio de arquitetura e design responsável pela produção da exposição.
AVANDA atua em coletividade para exposições, cenografia, editoriais e vídeos de moda, videoclipes musicais e curtas-metragens e instalações artísticas.
Conheça nosso trabalho através dos links abaixo
Presidente da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro | FECOMÉRCIO RJ Antonio Florencio de Queiroz Junior
Diretora Regional Regina Pinho
Diretor de Programas Sociais Fernando Alves da Silva
Diretor de Desenvolvimento Institucional Fabio Soares
Gerente de Cultura Christine Braga (Gerente interina)
Analista de Cultura Felipe Capello (Arte Educação/Artes Visuais)
Unidade Sesc Teresópolis
Gerente Paula Gueiros
Coordenadora Técnica Julianna Sattler
Analista de Cultura Elane Cristina Rezende
Produção AVANDA
Curadoria Bernardo Bazani
Artistas Agrippina R. Manhattan Hebert Amorim Lucas Strey Matheus Varaschin
Assistente de produção Damares Chueng
Design expográfico Gaya Lamin
Design gráfico e web Rafael Campinho
Execução de mobiliário expositivo UDi'S Marcenaria
Registros Luke Martins